sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Salta-Pocinhas


«Havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas - raposeta matreira, fagueira, lambisqueira - corria os bosques, farejando, batendo mato, sem conseguir deitar a unha a outra caça além de uns míseros gafanhotos, nem atinar com abrigo em que pudesse dormir um sonhinho descansado. Desesperada de tão pouca sorte, vinham-lhe tentações de tornar para casa dos pais, onde, embora subterrânea, a cama era mais quente e segura que em castelo de rei, e onde nunca faltava galinha, quando não fosse fresca, de conserva, ou então coelho bravo, acabado de degolar.»

Aquilino Ribeiro in "O romance da raposa"

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Viagem

Aparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
( Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).

Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura.
O que importa é partir, não é chegar.


Miguel Torga

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Voglio una casa

Voglio una casa, la voglio bella
Piena di luce come una stella
Piena di sole e di fortuna
E sopra il tetto spunti la luna
Piena di riso, piena di pianto
Casa ti sogno, ti sogno tanto
Voglio una casa, per tanta gente
La voglio solida ed accogliente,
Robusta e calda, semplice e vera
Per farci musica matina e sera
E la poesia abbia il suo letto
Voglio abitare sotto a quel tetto.
Voglio ogni casa, che sia abitata
E più nessuno dorma per strada
Come un cane a mendicare
Perchè non ha più dove andare
Come una bestia trattato a sputi
E mai nessuno, nessuno lo aiuti.
Voglio una casa per i ragazzi,
che non sanno mai dove incontrarsi e
per i vecchi, case capienti
che possano vivere con i parenti
case non care, per le famiglie
e che ci nascano figli e figlie. "


Deixo-vos o poema que ultimamente me governa a vida. Em dias como o de hoje, em que deixo de acreditar ser possível, leio-o e continuo a sonhar :-)

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Solidão


Véspera de Carnaval, 8 da noite, estava em casa com um amigo a tempo de irmos jantar, quando tocam à porta. Entreolhamo-nos e acabámos a frase antes de eu me levantar para atender a campainha, tocada uma só vez e sem pressas…
À porta estava uma sra. já oom alguma idade, 72 anos, disse-me ela depois, com um rosto belíssimo, olhos marejados de lágrimas e vestida de roupão azul. Nunca a tinha visto, apesar de ela morar na minha rua, mais perto da outra mercearia, talvez daí… Disse-me ter recebido uma notícia muito má pelo telefone e que estava muito nervosa, pedindo-me um chá de camomila, enquanto apertava nervosamente o pequeno papel que trazia na mão esquerda. Fi-la entrar e dei-lhe um chá, não de camomila, que não tinha, mas um roibbos, que também não tem teína, pensei na minha ingenuidade… Perguntei-lhe se não conhecia ninguém no prédio, a resposta foi de não andar nas casas dos outros, e, mesmo vivendo por aqui há mais de 40 anos, estar sozinha…
Expliquei-lhe que estávamos de saída e despedi-mo-nos dela. Ficou muito sensibilizada pelo chá, mas perturbada quando lhe disse que podia levar a caneca, sempre lhe serviria para o chá do dia seguinte. Enquanto saíamos entrava no prédio alguém a quem a sra. voltou a perguntar se não tinha chá de camomila. A resposta foi positiva e subiu a buscá-lo. Enquanto isso a sra bebia o chá nas escadas e disse-me: sabe, mais um bocadinho e guardava já a chávena…
Despedi-me dela e disse-lhe fazer muito gosto em que ficasse com ela, lamentando ter de sair. Ela só me repetiu o tenha muita sorte e que a vida lhe dê tudo o que quiser.
Fui jantar com o coração e a consciência mais pesados…

A foto é minha, de como a velhice deveria ser....